O ISS e a exportação de serviços - A discussão atual e pós-reforma tributária
A definição da exportação de serviços para isenção do ISS gera debates intensos, especialmente em serviços de intermediação internacional e consumo no exterior
A definição do conceito de "exportação de serviços" para fins de não sujeição ao ISS - Imposto sobre Serviços continua sendo objeto de intensa controvérsia entre contribuintes e autoridades fiscais. Esse debate ganha especial relevância no contexto de operações de intermediação internacional, em que a prestação do serviço ocorre no Brasil, mas o tomador é entidade situada no exterior.
Nos termos do art. 2º da LC 116/03, o ISS não incide sobre as exportações de serviços para o exterior, excetuadas as hipóteses em que o "resultado" do serviço se verifique no território nacional. Esse dispositivo é complementado por interpretações administrativas que, em muitos casos, adotam uma concepção restritiva do que se compreende por "resultado".
Sob o ponto de vista das autoridades fiscais, a mera existência de um dos polos da relação intermediada no Brasil é suficiente para afastar a caracterização da exportação imune ao ISS. Esse posicionamento foi indicado pelo Fisco Municipal no PN SF 4/16, da Prefeitura de São Paulo, que dispõe que não se configura exportação quando "uma das partes intermediadas, os respectivos bens ou os interesses econômicos estiverem localizados no Brasil".
Em nossa visão, o entendimento constante do PN 4/16 não merece prosperar e não poderia ser utilizado para afastar a aplicação da imunidade do ISS sobre a prestação de serviços de intermediação a beneficiário estrangeiro.
Apesar da necessidade de as particularidades do serviço em questão serem consideradas no caso-a-caso, entendemos que o serviço de intermediação de serviço prestado a contratante não residente deve sempre se sujeitar à imunidade do ISS caso seja possível demonstrar que: (i) o contrato de prestação de serviços foi celebrado entre o prestador de serviço (parte brasileira) e um tomador estrangeiro; e (ii) o tomador estrangeiro foi o efetivo beneficiário do serviço prestado pela empresa brasileira.
O simples fato de uma das partes ou bens objeto da relação intermediada estarem localizados no Brasil não deveria, por si só, afastar a caracterização da exportação de serviços, sobretudo considerando que, em atividades de intermediação desenvolvida por uma entidade brasileira, é natural que haja conexão com o território nacional. Caso contrário, não haveria razão para o tomador estrangeiro contratar um prestador brasileiro.
Ademais, a adoção do entendimento restritivo proposto no PN 4/16 contraria a própria finalidade da norma de imunidade, que busca fomentar a inserção das empresas brasileiras no comércio internacional, promovendo ganhos econômicos ao país.
Todavia, a interpretação contida no PN 4/16 tem sido adotada pelo CMT - Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. No julgamento do processo 6017.2022/0054355-3 (Caso Cap Amazon), por exemplo, o CMT (A) examinou a incidência de ISS sobre a exportação de serviços de propaganda e marketing e (B) concluiu que a prestação de serviços de publicidade e marketing ao tomador estrangeiro visava atingir o mercado consumidor brasileiro, razão pela qual o interesse econômico sobre o qual recai o serviço prestado estaria localizado no território nacional. Nesse sentido, aplicou-se o PN 4/16, para que fosse afastada a configuração de exportação de serviços1.
Na esfera judicial, o STJ já firmou, em algumas oportunidades, o entendimento de que o local da prestação do serviço pode ser determinante para fins de incidência do ISS. Em casos como o AgInt no REsp 2.039.633/SP (Caso Verde Serviços) e o AgInt no AREsp 2.174.450/RS (Caso Navemestra), o STJ concluiu que a prestação do serviço em território nacional implica a verificação do resultado no Brasil, ainda que a fruição ou a contraprestação ocorra no exterior. Segundo essa orientação, a exportação de serviços exigiria que o "resultado" fosse integralmente percebido fora do território nacional, considerando-se como tal a realização efetiva do objeto contratado2.
Contudo, esse entendimento não é pacífico. Em decisão proferida no AgInt no AREsp 1.931.977/RS (Caso Tap), o STJ afastou a incidência do ISS sobre serviços de reparo de aeronaves realizados no Brasil para empresas estrangeiras, sob o fundamento de que a utilidade dos serviços se verificaria exclusivamente no exterior. Nessa oportunidade, o relator, min. Benedito Gonçalves, destacou que "resultado" deve ser compreendido como "utilidade gerada ao tomador", e não meramente como o local da execução da atividade3.
Em oposição a esse entendimento, decisões recentes do próprio TJ/SP apontam para uma aplicação mais rigorosa do conceito de "resultado". Na apelação cível 1028462-58.2018.8.26.0053 (Caso Banco CAB), ao tratar de serviços de prospecção de clientela no Brasil em favor de instituições financeiras estrangeiras4, o TJ/SP estabeleceu que "os resultados dos serviços exercidos pelo autor, ocorrem indiscutivelmente no Brasil, por consistirem, em poucas palavras, na aproximação dos clientes captados com os bancos estrangeiros, por conta da intermediação que lhe incumbe". Entendimento semelhante que já foi recentemente adotado por outros Tribunais5.
Todavia, o mesmo TJ/SP já proferiu acórdãos favoráveis aos contribuintes, afastando uma interpretação restritiva por parte do Fisco Municipal.
No julgamento da apelação cível 1050408-86.2018.8.26.0053 (Caso Novo Nordisk), o TJ/SP afastou a incidência do ISS sobre serviços de consultoria em práticas de mercado prestados por contribuinte sediado no Brasil para empresa estrangeira.
O Tribunal entendeu que, embora os serviços tenham sido executados fisicamente no Brasil, a fruição da atividade - consubstanciada na utilização das informações estratégicas, por beneficiário estrangeiro, para tomada de decisão - ocorria no exterior, de modo que o resultado do serviço se verificava fora do território nacional6. A Corte destacou que não havia correlação direta entre a atividade prestada e qualquer beneficiário situado no Brasil, o que afastaria a configuração da materialidade do imposto.
Nessa linha, o julgamento da apelação cível 1067658-93.2022.8.26.0053 (Caso Julius Baer) tratou da prestação de serviços de intermediação e fornecimento de informações de mercado por sociedade brasileira para instituição financeira estrangeira. O TJ/SP reforçou o entendimento de que, embora a execução material do serviço ocorresse no Brasil, a utilidade econômica - entendida como o uso das informações para a tomada de decisões estratégicas fora do País - era exclusivamente fruída pela contratante estrangeira7.
A nosso ver, em que pese a indefinição do tema na esfera judicial, há uma exportação de serviços de intermediação não sujeita à tributação pelo ISS sempre que o contratante do serviço for um estrangeiro e o serviço prestado lhe trouxer um benefício (que originalmente justificou a contratação), independentemente de uma das partes ou do bem objeto da relação intermediada estar situado no Brasil ou de eventuais reflexos do serviço prestado ao não residente serem verificados no País.
Esse debate adquire novos contornos no contexto da reforma tributária. A LC 214/25, que regulamenta o novo IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, também prevê a imunidade das exportações de serviços (arts. 8º e 79), assegurando ao exportador o direito ao crédito nas aquisições de bens e serviços vinculadas.
O art. 80 da mesma lei prevê que "considera-se exportação de serviço ou de bem imaterial, inclusive direitos, o fornecimento para residente ou domiciliado no exterior e consumo no exterior". Especificamente, o inciso II dispõe que é exportação a prestação do serviço de intermediação na distribuição de "mercadorias no exterior (comissão de agente)" (alínea 'a'), desde que esse serviço seja "vinculado direta e exclusivamente à exportação de bens materiais ou associados à entrega no exterior de bens materiais".
Além disso, segundo o § 2º do art. 80 da LC, caso não seja possível ao fornecedor nacional identificar o local do consumo pelas condições e características do fornecimento, será presumido como local de consumo o local do domicílio do adquirente no exterior.
Contudo, o § 3º traz redação problemática ao prever que, caso o consumo ocorra no Brasil, haverá "importação de serviço" - o que não se coaduna com a lógica tributária e da própria relação jurídica subjacente, já que, nesse caso, não se trata de importação, mas de prestação interna entre brasileiros.
Ademais, o § 5º do art. 80 determina que, em casos de prestação de serviços tanto no Brasil quanto no exterior, apenas a parcela executada ou consumida no exterior será considerada exportação.
Portanto, sob a nova legislação, a caracterização de exportação de serviços dependerá da presença cumulativa de dois requisitos: (i) contratante não residente e (ii) consumo do serviço no exterior.
Todavia, a norma não define expressamente o que se entende por "consumo" do serviço. Não está claro se bastaria a utilidade econômica percebida no exterior, ou se seria exigido um critério mais objetivo de fruição sem qualquer impacto no Brasil.
Em nossa leitura, basta que a utilidade do serviço seja aproveitada pelo contratante estrangeiro no exterior para que a imunidade se configure. No entanto, diante da vagueza do conceito legal, é razoável prever que as controvérsias atualmente observadas em relação ao ISS poderão se repetir no âmbito do IBS e da CBS, com nova roupagem, mas também com o mesmo núcleo problemático: a ausência de critérios objetivos para definir o "consumo" de serviços no exterior.
1 Como visto, caracterização da exportação de serviços, nos termos da legislação aplicável, ocorre apenas quando resultado se der fora do território nacional. E, segundo o parecer normativo, aplicável ao caso, esse resultado só se configura fora do território nacional quando "elemento material, imaterial ou o interesse econômico sobre o qual recaia a prestação estiver localizado no exterior."
No caso vertente, contudo, boa parte dos contratos deixa explícita a busca de um interesse econômico no território nacional. Confira-se novamente os objetos dos contratos entregues à fiscalização pela recorrente:
(...)
Como se verifica, boa parte dos contratos faz expressa menção à finalidade de desenvolver a marca e mensagem do cliente no Brasil. Evidente, portanto, que existe interesse econômico no território nacional.
Com efeito, um contrato de propaganda/marketing que visa a aumentar a notoriedade de uma marca e/ou instituição no Brasil só pode ter interesse econômico no território nacional. Não faria sentido contratar uma agência local para divulgar, no país, ideias, serviços e produtos se não houvesse interesse econômico no mercado brasileiro."
2 Caso Verde Serviços: "3. Ao assim decidir, o Colegiado estadual se alinhou à orientação do STJ de que "o resultado do serviço prestado por empresa sediada no Brasil de gestão de carteira de fundo de investimento, ainda que constituído no exterior, realiza-se no lugar onde está situado seu estabelecimento prestador, pois é nele que são apurados os rendimentos (ou prejuízos) decorrentes das ordens de compra e venda de ativos tomadas pelo gestor e que, desde logo, refletem materialmente na variação patrimonial do fundo."
Caso Navemestra: "4. Não tem qualquer influência a discussão a respeito de o navio ser extensão do território estrangeiro ou de que o frete dos combustíveis visam abastecer as embarcações para que possam retornar ao seu porto de origem, porquanto facilmente evidenciado que o serviço foi prestado no território nacional, o que legitima a incidência do ISS."
3 "2. O acórdão recorrido analisou o caso sob a ótica do conceito de "resultado-utilidade", firmando que o "[...] serviço de conserto e reparo, logicamente, é/foi iniciado e concluído no Brasil; todavia seu resultado verificado fora, beneficiando o tomador, estrangeiro (empresas aéreas do México e Moçambique, por exemplo, que não fazem rota no território nacional, apenas trazendo as aeronaves para conserto). [...] levando-se em conta a natureza do serviço desempenhado pela contribuinte, verifica-se que a fruição dos serviços tomados ocorreu no estrangeiro." (fl. 24 e 27).
3. Tal entendimento está em conformidade com o atual posicionamento do STJ sobre o tema, o qual, em sintonia com o art. 2º da LC 116/2003, tem reconhecido a imunidade tributária do ISSQN na hipótese em que o resultado dos serviços prestados a pessoas estrangeiras ocorre em território estrangeiro."
4 "Por todo o exposto, conclui-se que a atividade de intermediação exercida pelo autor considera-se realizada com a efetiva captação dos clientes em território brasileiro, com a finalidade de aproximação dos mesmos com os bancos do mesmo grupo localizados no exterior, portanto, tal prestação de serviço aperfeiçoa-se por completo no Brasil.
Com efeito, os resultados dos serviços exercidos pelo autor, ocorrem indiscutivelmente no Brasil, por consistirem, em poucas palavras, na aproximação dos clientes captados com os bancos estrangeiros, por conta da intermediação que lhe incumbe.
Assim, no caso dos autos, não configurada a exportação de serviço, há incidência de ISSQN."
5 No julgamento da Apelação Cível nº 0008952-27.2021.8.16.0190 (Caso Pagseguro), o TJ/PR considerou devida a exigência do ISS em operação de intermediação de pagamentos envolvendo consumidores brasileiros, sob o argumento de que o resultado dos serviços foi verificado no território nacional, visto que o serviço prestado permitiu o envio de valores por consumidores brasileiros ao exterior (apesar da fruição do serviço ter se dado pelo beneficiário dos pagamentos, todos não-residentes): "O resultado do serviço deve ser visualizado de acordo com a relação existente entre os consumidores brasileiros e a apelante (em Maringá), sendo o envio do valor para os fornecedores estrangeiros mera fruição do serviço prestado no território nacional."
(...)
O fato dos desenvolvedores estarem todos localizados no exterior não altera a conclusão obtida, pois, como já dito, apenas fruem do serviço cujo resultado se deu no território nacional."
6 "(...)o objetivo dos serviços prestados foi o fornecimento de dados e informações à cliente domiciliada em território estrangeiro que buscou embasamento para suas tomadas de decisão em relação a investimentos na América Latina, e assim se esgotou, de modo que os efeitos do resultado não guardam relação com o território nacional."
7 "O critério legal, portanto, não é objetivo (o local da conclusão do serviço), mas subjetivo (o local da fruição de seu efeito útil). Nesse sentido, a lei excluiu da incidência do ISS os casos em que o serviço: (i) é prestado e fruído no exterior; e (ii) é prestado no Brasil e fruído no exterior. A diferença aqui é puramente formal, pois o critério definidor, em ambos os casos, é o local da fruição do serviço."